Doze anos atrás, em junho de 2009, era promulgada a Lei 13.550, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do bioma Cerrado no estado de São Paulo. O então Secretário do Meio Ambiente, Francisco Graziano Neto, preocupado com o rápido desaparecimento da vegetação típica de Cerrado no estado de São Paulo - no qual restava apenas 0,84% da cobertura original - entendia que não era “hora de afrouxar, mas sim de apertar a legislação ambiental, visando a proteger os remanescentes de vegetação nativa”, tendo em vista sua função na conservação da biodiversidade, na recarga dos mananciais e no sequestro de Carbono - “assunto importantíssimo na agenda global das mudanças do clima” (Cerrado paulista, O Estado de S. Paulo, Ter, 08/09/2009 - 12h38 | Do Portal do Governo). Para Graziano Neto, a promulgação desta lei, com apoio unânime da Assembleia Legislativa, deveria servir como exemplo na proteção ambiental do país.
Não passaram dez anos que, em janeiro de 2019, começou seu desmonte, quando o governador do estado promulgou a Lei 16.924, que alterou a Lei 13.550/90 para permitir a supressão de vegetação de Cerrado para “extração de areia, argila, saibro e cascalho”.
Antes mesmo deste ato oficial, que não encontrou resistência nem dos órgãos e dos conselhos ambientais e nem da sociedade civil organizada, em 17 de agosto de 2018, em carta encaminhada ao então vice-governador Márcio França, os 17 vereadores de Bauru/SP pediam a revisão da lei de proteção do cerrado, com a alegação de que causaria “prejuízos ao desenvolvimento da cidade”. O pedido dos vereadores não se referia a “áreas com “vegetação em estágio avançado” e sim a “pequenas manchas, já degradadas, em área urbana”, que, segundo eles, estariam “impedido a liberação de empreendimentos de residências unifamiliares e ampliação de empresas importantes”*.
Em 12 de março de 2021, a reivindicação dos vereadores de Bauru tomou a forma de Projeto de Lei, o qual propõe mudanças que poderiam marcar um grave retrocesso das políticas de preservação e recuperação do Cerrado no estado de São Paulo, e minar a já fragilizada diversidade biológica junto com a qualidade e disponibilidade de água para a população urbana em franco crescimento.
As consequências da flexibilização da lei
A eventual revisão da lei para permitir a destruição dos pequenos fragmentos que ainda restam nas cidades paulistas - enxotados para suas periferias e rebaixados a reserva de solo para a expansão urbana - poderia ter efeitos ambientais e ecológicos desastrosos. De fato, o pouco Cerrado que sobrou no estado de São Paulo está pulverizado em pequenos fragmentos, muitas vezes com área inferior a 10 hectares e nem sempre em condições ideais de preservação. Contudo, de acordo com especialistas, por menor que seja, cada fragmento pode conter um banco de informações genéticas único, capaz de contribuir de forma relevante para a conservação da biodiversidade e a restauração de ecossistemas semelhantes. Desse ponto de vista, as “pequenas manchas” de vegetação nativa supostamente degradadas às quais os vereadores de Bauru se referiam - e citadas na justificativa do PL - podem representar a única fonte de informação que se tem sobre a estrutura e o funcionamento da vegetação nativa. Acordos internacionais preconizam a recuperação de 17% da área original terrestre de cada bioma, e, para cumprir com a meta estabelecida, teríamos de plantar cerca de 800 mil hectares de Cerrado em São Paulo. Nessa perspectiva, até mesmo os fragmentos mais degradados podem tornar-se o início de um processo de recolonização que traria de volta o Cerrado para as nossas paisagens urbanas.
O PL 138 ignora tanto a literatura científica como as resoluções que naquela se fundamentam e que estabelecem parâmetros claros para garantir a preservação e a recuperação da vegetação de Cerrado, e junto com esta, a preservação e a recuperação da conectividade entre os fragmentos; da diversidade biológica; das nascentes e dos corpos d’água; e dos serviços de suporte da vida que a floresta urbana provê (entre os quais, a regulação do clima e a prevenção dos alagamentos). Sem uma justificativa sólida, o PL 138 transforma as áreas urbanas em território de exceção, promovendo seu espraiamento, induzido pela especulação e, em muitos casos, favorecido pelos planos diretores ou normativas municipais equivalentes, às custas da vida, da qualidade ambiental e da qualidade de vida da coletividade.
NÃO ao enfraquecimento da lei de proteção do cerrado
A Lei Estadual 13.550/09 é uma das poucas ferramentas das quais o poder público e a coletividade - aos quais cabe defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações (Art. 225 da Constituição Federal) - dispõem para lutar contra a extinção do Cerrado no estado de São Paulo, especialmente nas situações de ameaças prementes. Enfraquecer essa lei significa abrir mão de um precioso instrumento que tem servido para impor limites a pessoas e grupos que o colocam em risco. A lei serve para proteger não apenas a comunidade dos seres vivos que habitam o Cerrado, muitos dos quais são ameaçados de extinção, mas também os processos de suporte da vida das quais as comunidades humanas se beneficiam. Assim, opor-se à flexibilização da lei não significa impor obstáculos ao desenvolvimento agrícola e urbano, mas garantir que ocorra de maneira responsável e sustentável.
* Naquela oportunidade, criamos um abaixo-assinado, hoje com 75 mil assinaturas, as quais demonstram a vontade da sociedade de que a lei seja protegida, e não dilapidada.
Alessandra Pavesi e Lara Padilha
Cerrado Vive!
Imagem: Fragmento de Cerrado em São Carlos/SP, entre plantações e construções na cidade
Crédito: Vitor Fiochi
Importante descrição do que vem acontecendo com o cerrado e um alerta para os perigos que corre. Conhecer é um passo fundamental!